IRREMEDIÁVEL
Via-se que o homem estava angustiado. Ele entrou na farmácia e entregou ao balconista o que achava ser a receita aviada pelo médico. Era uma carta de poucas linhas “Caso-me amanhã e vou morar em Munique. Queimei suas cartas e nossas fotos. Um vírus de computador apagará o que houve entre nós da minha memória. Procure um vírus e me apague da sua. Não nos veremos nunca mais. Sandra.”-Isso é uma carta – balbuciou o farmacêutico. O homem angustiado se desculpou e, atrapalhado, procurou a receita nos bolsos enquanto pegava a carta de volta. Depois de ler a receita o farmacêutico disse de modo sutil, mas revelando indiscrição:- Não há remédio.– Eu sei – disse o homem pegando a receita. – Ela viajouhoje para Munique.E foi procurar o remédio em outra farmácia.
O TARADO
Entrei no táxi e senti um cheiro forte.- O cheiro que o senhor está sentindo é de jaca.- me explicou o taxista sem que eu perguntasse. -- O porta-malas está cheio. Eu adoro jaca.- Gosta mais de jaca do que mulher? – brinquei.- Sou casado e tenho uma amante. Feriado que dá pra emendar, eu passo na mata deSanta Teresa e colho de cinco a dez jacas. Pego a minha lourinha, dou desculpas pra minha mulher, digo a ela que tenho um freguês que vai descansar em Juiz de Fora e vou com a namorada pra uma casinha de praia de um amigo meu em Araruama. Passo dois dias lá só comendo.- O que você come mais? – perguntei – Jaca ou a amante? - Mais jaca, mais jaca...- respondeu ele apressadamente.
O Xerox
Eu tomava um cafezinho no bar. Dois garçons do lado de lá do balcão conversavam sem cerimônia, e ouvi o diálogo:— O cara é igualzinho a mim – dizia o baixinho. – O rosto, cabelo, tamanho, tudo, tudo... Se fosse meu irmão gêmeo, não seria tão parecido comigo. — Sei. E daí? – perguntou o mais alto.— Acontece que esse meu xerox é gay. E tem um mulato fortão que é gari e que é louco por ele. Me confundiu com o gay, e foi chegando aqui no bar, me arrastou pro canto, foi me beijando, passando a mão na minha bunda... Eu dizia que não era o outro, mas ele era todo braços e mãos na minha bunda.— E você não fez nada?— Não pude. O sujeito me ama.
VOU CHAMAR O JOSÉ!
Pedro tinha, mas seu irmão José não tinha medo do Bicho-Papão. Por isso, Pedro dormia rapidamente, mal deitava, para não ver o Bicho-Papão que a mãe ameaçava chamar, caso não pegasse no sono. José, por não ter medo, dormia tarde e por isso o Bicho-Papão só aparecia pra ele e ficavam os dois a conversar horas e horas, noite adentro.O Bicho-Papão contou tudo que sabia para José: histórias fantásticas, casos horripilantes, fatos tenebrosos, também coisas bonitas e suaves canções.Por medo ou incredulidade, ninguém da cidade queria ouvir o que José sabia e aprendera com o Bicho-Papão. Quando José começava a falar sobre seus conhecimentos as pessoas pediam para ele não contar, mudavam de assunto, se aborreciam, pediam licença e deixavam José falando sozinho.Mas, quando as crianças da cidade choravam e não queriam dormir, as mães diziam que iam chamar o José para pegá-las. Foi assim que José também virou Bicho-Papão.
A Procura
Não foi por vocação que ele se tornou caixeiro-viajante. Escolheu esta profissão porque assim poderia ir de casa em casa, de cidade em cidade, de estado em estado, enfim, percorrer todo o país à procura de sua noiva que fugira com outro, para onde ninguém sabia.Os anos passaram. Ele gastou muita sola de sapato, percorrendo tantas cidades, batendo tantas portas, que até perdera a conta. Envelhecera. Sentia-se cansado e sabia que a ex-noiva (já admitia ser ela ex) devia ter mudado muito, mas ele tinha certeza de que a reconheceria, mesmo depois de tanto tempo.— Mãe, tem um moço aqui perguntando se a senhora quer comprar toalha de mesa — gritou a filha para o interior da casa, de onde a mãe respondeu, também aos berros.— Não quero nada não. E eu não gosto de conversar com vendedores ambulantes não, porque com eles eu sempre passo pelas forcas caudinas.— Passar pelas forcas caudinas! — o caixeiro-viajante repetiu atônito. Tirando alguns acadêmicos, apenas a sua ex-noiva usava esta expressão. Sim, só podia ser ela. Arriscou com voz insegura, chamando para o interior da casa:— Marilda...E aquela que foi sua noiva um dia, apareceu, vinda da cozinha.— Marilda, sou eu, Lauro...Sentaram-se. Ele contou de todas as solas de sapatos gastas, e de todas as portas que bateu à sua procura. Ela contou que tinha 6 filhos e um marido silencioso, contou que não lia mais, e que ia ser avó. Ele sentiu que tinha perdido o seu romantismo e seu amor em alguma rua de alguma cidade ou dentro de um dos tantos ônibus em que viajou. E sentiu-se estúpido. Despediu-se dela apressadamente e foi embora com sua mala.— Quem era aquele homem? — quis saber a filha.— Meu primeiro namorado. Fomos noivos. Abandonei-o para casar com seu pai. Ele percorreu mais de duas mil cidades me procurando.— Pra quê?— Pra me vender toalha de mesa — respondeu a mãe voltando pra cozinha.
A PROFESSORA DE VIOLINO
A professora de violino não era bonita, deveria ter 40 anos e eu era um de seus poucos alunos naquele ano. Ela dava aulas a domicílio e morava com uma tia idosa chamada dona Ana. A senhora morreu, os primos que moravam na capital iam vender a casa, por isso ela ia nos deixar. A cidade resolveu dar uma festa de despedida pra professora de violino. À tarde ela foi até minha casa para a última aula. Chegou mais cedo e eu tomava banho. Pela porta entreaberta ela me via nu sob o chuveiro e se masturbava com o arco do violino. Fingi não perceber. Mas durante a aula senti o cheiro de sua vagina nas cordas do arco. À noite, na festa, ela tocou uma peça no violino. Todos os homens ficaram excitados e tiveram ereções. Até o padre, que saiu no meio do número. Os homens da cidade quando dizem “hoje vai ter Beethoven” é que vão transar com suas mulheres.
O Agnóstico
O agnóstico cedeu e pediu um catálogo para que pudesse escolher um deus em que acreditar. Não um deus de barbas, não um deus sem barbas, não um deus histriônico, nem irônico, nem irado, nem perverso, nem omisso, nem submisso, nem vaidoso e nem muito modesto. Sua alma saberia quando ele visse o rosto do seu futuro deus. E ele viu a foto e apontou com o dedo dizendo: é este!O deus escolhido surgiu à sua frente, mas antes de ver e crer o agnóstico exigiu um currículo. Lido o currículo, o deus foi aprovado mas só entraria em seu coração na semana seguinte.Quatro dias depois, o agnóstico morreu. O seu deus não chegou a pegar no serviço.
AMORES DALTÔNICOS
Fabiano pediu uma passagem no guichê da rodoviária para qualquer lugar que não tivesse verde. E encontrou um lugarejo onde as árvores eram estéreis de folhas e até o pisca-piscar dos vaga-lumes eram lilases. Poucas casas encardidas pela poeira vermelha e na bandeira da única escola o verde era um pendão carmim. Gostou porque nada havia que pudesse lembrar os olhos hortelã de Marilene. Nada branco que lembrasse o sorriso marfim que um dia lhe tirou um naco da alma quando ela lhe disse: - Suma-se da minha vida. - O dono da pensão aonde ia se hospedar disse que no local não servia saladas. O comerciante também fugira do Rio e vivia naquela vila vermelha como um caroço na melancia. Fabiano pagaria adiantado um ano de aluguel e estendeu as notas de dólares sobre o balcão. Os olhos do dono da pensão se orvalharam e ele balbuciou:– Verdes... como os olhos de Marilene.
Fábula
O cordeiro estava bebendo água no rio quando chega o lobo. – Seu puto, você tá poluindo a água do rio.– Impossível, lobo. A água corre pra baixo e não tem como. – Se não foi você foi o veado de seu pai. Se não foi ele, foi a vaca da sua mãe, ou a piranha da sua irmã ou algum outro filho-da-puta de sua família.– Fica frio, lobo. Tu tá muito estressado – disse o cordeiro.– Estressado é coisa de boiola. Vou te apagar e comer seu fígado – disse o lobo, avançando com um fuzil de uso exclusivo das Forças Armadas pra cima do cordeiro.Então o cordeiro puxou debaixo do seu casaco de lã uma metralhadora UZI israelense e acertou uma rajada de azeitonas no lombo do lobo, que caiu e foi levado pelo rio.MORAL: TEM GENTE QUE SÓ MATANDO.
ALMA, QTO, S. COZ. E DEPENDÊNCIAS
Ele sonhou que sua alma saía do corpo e ficava a observá-lo dormindo. Acordou mal-humorado. Mas o sonho se repetiu e tornou-se freqüente. Um dia, andando pela rua em direção ao trabalho, ele se viu de cima. Observava a si mesmo caminhar, como se fosse outra pessoa. Apavorado voltou ao corpo. Mas sentiu que poderia fazer isso quando quisesse. Dias depois, encheu-se de coragem e resolveu fazer a experiência de sair do corpo para um teste mais longo. Vagou pela cidade, plainando sobre os edifícios, visitando amigos e já era noite quando voltou ao seu corpo: “Tem gente!” escutou uma voz dizer. “Este corpo é meu!” Reclamou mas de nada adiantou. Ele tinha sido despejado por um posseiro. Vagou vários dias à procura de um corpo desocupado. Antes ele tinha um metro e oitenta e hoje mora no corpo de um anão. É apertado, mas está se habituando.
A Musa
O poeta se decepcionou com sua musa e creio que até hoje não se recuperou. Ele havia feito para ela um poema que falava de rosas febris, um canário de canto solerte, um punhal de prata sobre um manto de veludo azul e frescas romãs que rimavam com pálidas manhãs. A musa fez a lista de todos os itens contidos nos versos e avaliou-os, anotando os valores de cada um a preços de mercado. Somou e chegou à quantia quebrada de novecentos e cinqüenta dois reais e noventa centavos. Devolveu ao poeta os versos escritos, dizendo que preferia receber o poema em dinheiro.
Um escrito inédito de Machado de Assis
Auditório cheio. O professor Sifrônio Luccas abriu o seminário de literatura da Universidade Federal com a frase:— Tudo que o Machado de Assis nos deixou escrito é literatura de valor universal.Um homem de terno em desalinho e barba por fazer, ergueu-se na oitava fila da platéia e falou alto, de maneira que todos ouvissem:— Desculpe interromper, professor, mas tenho que discordar. Nem tudo que o Machado escreveu é importante e eu posso provar – o homem acenou uma folha e encarando o público que o olhava como se olhasse um maluco. – Não é uma opinião. Eu tenho um escrito inédito do escritor Machado de Assis. Posso ler para vocês.O professor ficou curioso com a afirmação de que um texto inédito do maior escritor brasileiro aparecesse agora. Devido à maneira arrogante do intruso, ele não teve outra saída a não ser deixar o homem subir até o palco.— Eu estou curioso e acho que todos aqui também querem tomar conhecimento destes escritos que o senhor diz serem inéditos, o que eu duvido. Não devem ter nenhum valor literário.O homem subiu ao palco e a ele foi dado um microfone:— Sei que todos vocês são machadianos como eu. Sei que provavelmente conhecem toda a obra do bruxo do Cosme Velho. Mas este texto eu achei dentro de um livro que comprei no sebo. Era um volume de poesia de um desconhecido, onde havia uma dedicatória para Machado de Assis. O livro pertenceu ao escritor que colocou dentro dele, sabe-se lá por que, esta folha de papel. Paguei do meu bolso um exame de grafologia e tenho o atestado de que a letra neste escrito é mesmo de Machado de Assis.O homem mostrou a folha de papel amarelada pelo tempo. Todos esperavam aflitos a leitura do que chamava de “ um escrito inédito de Machado de Assis”. Ele ajeitou os óculos e leu:Rio de Janeiro1 camisa3 lenços4 pares de meia1 toalha de rosto1 tolha de banho1 lençol2 fronhas de travesseiro1 toalha de mesaE o homem finalizou:— É um rol para a lavadeira. Nada machadiano — disse o homem, descendo do palco. Sem receber nenhuma palma.
Segredos do Outro Mundo
Lia e Lea eram irmãs e sempre morreram de medo de assombração. Quando crianças fizeram um pacto: nenhuma delas iria aparecer para a outra depois da morte.Estavam bem idosas quando Lea morreu. Contrariando o pacto, Lea apareceu para Lia numa noite de chuva, dessas que os trovões discutem em voz alta e os relâmpagos, como crianças em festa, ziguezagueiam pelo céu. Lia levou um susto tão grande que, ao abrir a boca, a sua dentadura caiu. Não esperava a visita da alma da irmã, afinal, Lea descumpriu o trato que ambas fizeram quando crianças. Mas, já que Lia estava ali, toda fantasmagórica, a irmã perguntou como era o outro mundo; quis saber por que os fantasmas tinham que puxar os pés dos vivos. E Lea contou o segredo que ninguém, até então, nunca soubera:— Ser assombração é um emprego, e a gente recebe por pé puxado.
O Pistonista
A campainha tocou. Abri a porta. Um homem baixo, de terno escuro se apresentou.— Sou Geraldo, pistonista profissional. O senhor, por acaso, não estaria precisando de ouvir algumas músicas?Estranhei. Era a primeira vez que um músico batia na minha porta com uma proposta desta, tão singular. Curiosamente, eu estava precisando ouvir algumas músicas. Convidei o músico a entrar. Ele entrou, sentou-se no sofá, retirou seu pistom da caixa preta e por vinte minutos me deleitou com as músicas do seu repertório e duas peças que sugeri e que ele prontamente atendeu.Quando terminou, o pistonista guardou o seu instrumento na caixa preta.— Quanto é? — perguntei.— 200 reais — me respondeu.— O senhor vai me desculpar — eu estava constrangido — mas eu só tenho 50 reais aqui comigo.— Mais barato do que isso não pode ser — disse ele com uma delicadeza que não escondia uma ponta de gravidade. — Você sabe, eu sou um profissional, já executei o serviço.Eu tinha que resolver o problema. Pedi ao pistonista que esperasse um pouco. Fui até o meu quarto e peguei a minha máquina de escrever. Voltei à sala e escrevi 150 reais de poemas, completando assim a quantia pedida pelo músico.O pistonista guardou as cédulas e os poemas em sua carteira, pegou o seu pistom e se foi em busca de um novo freguês.
DE COMO LEVEI VANTAGEM NO DIA EM QUE FUI ASSALTADO
O assaltante apontou a arma para minha cabeça, e eu entreguei-lhe a carteira, o relógio e o celular. Mesmo já estando de posse de meus pertences, o canalha apertou o gatilho. Mas o revólver engasgou, e o tiro não saiu. O ladrão fugiu dizendo que eu tinha dado sorte. E, de fato, fui felizardo, mas não pelos motivos do bandido. No momento do tec metálico que a arma deu, toda a minha vida passou diante dos meus olhos, e eu vi, num pedaço desse flashback, onde estava escondido um livro do poeta Mário Quintana que eu já dava por perdido, depois de o ter procurado pela casa inteira.
OS TRICOTEIROS ANÔNIMOS
Virou moda tricotar para relaxar, evitar o estresse e unir pessoas para bate-papos descontraídos. Uma terapia, dizem. Parece uma coisa ingênua. Mas não é. Tanto é que, no Rio de Janeiro, já existe o T.A.: Tricoteiros Anônimos.O T.A. atende exclusivamente homens que se viciam em tricô. Estes dependentes que levam suas agulhas e linhas para o trabalho e se escondem no banheiro para tricotar blusas, gorros, meias, sapatinhos de bebê. Muitos, tomados pelo vício, foram demitidos por faltarem ao trabalho. Os que tomam consciência do problema procuram o T.A. As reuniões são como as dos Alcoólicos Anônimos.— Meu nome é Antonio Carlos e estou há cinco dias sem tricotar.Palmas.Alguns relatam como começaram e os problemas que tiveram. Como Luis Antonio:— Eu estava estressado e já tinha observado que minha tia, tricoteira, era uma pessoa calma. Então, enquanto esperava minha esposa se arrumar para irmos a uma festa, dei meus primeiros pontos. Foi o bastante para ser fisgado pelo vício. Quando dei por mim, já tinha feito um xale inteiro. Nunca mais fui a festas com minha mulher. Preferia ficar em casa tricotando. Minha mulher arranjou um amante e me abandonou. Arrasado, fiquei três meses fechado em casa e fiz 120 casaquinhos de neném.Outro depoimento; este, de Waltencir:— Só me dei conta de que era um tricoteiro quando, de madrugada, uma de minhas agulhas quebrou e eu saí pelas ruas procurando uma loja aberta. Não encontrei. Eu fui preso por tentar roubar agulhas e lã da loja da qual era freguês.Muitos se curam do vício. Mas é passo a passo, dia a dia... Muitos não resistem e têm recaídas que os deixam humilhados. O tricô é a porta de entrada para outros vícios. Muitos tricoteiros passam a fazer bainhas em calças, depois experimentam atividades consideradas mais difíceis: tornam-se viciados em corte-e-costura. Fazem saias, blusas e vestidos (de alcinha, com corpetes drapeados, com golas japonesas, enfeitados com miçangas e bordados de ponto cheio, ponto de cruz, consumindo linhas ilha-da-madeira, cairel, meadinhas. Isso quando não acontece de falecerem vítimas de overdose de sianinhas. Uma tragédia!
Historias encolhidas (2)
O TATUADO TATUAGEM Então era aventureiro e gostava de viagens e de viver perigosamente e estivera em guerrilhas na América Central e foi mercenário na África e fez contrabando no Paraguai e combateu contrabandistas em Mato Grosso e foi garimpeiro e procurou por todo mundo sinais de extraterrestres e alçava grandes vôos dentro da vida e por isso levava no braço direito uma águia tatuada.E um dia ele atracou numa mesa de bar de onde via, em frente, no porto, os navios chegarem e partirem. Ele ficava. O mar já não lhe sugeria mistérios, não ouvia mais os apelos das aventuras. As estradas, ele sabia, o levariam de volta àquela mesa, àquele bar onde passava os dias bebendo e sentindo o braço direito doer um pouco. A águia tatuada, inconformada, se debatia e tentava se desprender do seu braço. E ela conseguiu. O homem viu, com tristeza, a águia voar até sumir. Ele sabia que isso iria acontecer, pois o tatuador lhe dissera: — Você não tem tatuagem, a tatuagem é que tem você.
Mário Quintana revisitado
Você se engana quando pensa que manterá seu trabalho
Sem passar a mão no saco do chefe.
Porque eles passarão,
Você passaralho.
O Bloco
Os intelectuais (todos gordos) que se reuniam sempre no Encouraçado Botequim, resolveram fazer um bloco para sair no carnaval. Suas mulheres (algumas gordas assumidas, outras na eterna busca pelo emagrecimento) disseram que sairiam vestidas de Messalinas de Rubens. O problema maior foi arranjar o nome do bloco.– “Filhos de Kant” – sugeriu o astrônomo. – Lembra “Filhos de Ghandi”. Sacaram? – A sugestão foi recusada. A turma da psicanálise sugeriu: Freud Só Freud Com Viagra e Amigo Urso Bipolar. Ninguém gostou.Um economista fez uma lista tríplice: Ótimos de Pareto, Laissez-faire, Laissez Passer e Stop and Go. Foi vaiado e protestou engolindo o guardanapo onde havia escrito as sugestões. O cientista político fez um preâmbulo e lançou na mesa Os Emergentes de Sodoma. Discutiram, votaram e o nome foi recusado.Ceará, o garçom chamado a opinar, disse que nome de bloco tinha que ser como os já consagrados: Sovaco de Cristo e Xupa Mas Não Baba. E completou:– Vocês pensam demais.Isso fez alguém comentar: “ Penso, logo existo”. E, como o filósofo foi lembrado, o sociólogo concordou com o garçom e disse que Descartes tinha que ligar o foda-se!Aí aconteceu o estalo de Vieira, ou, como se diz no popular: a ficha caiu.E o bloco foi batizado com o nome de Descartes Ligou O Foda-se.Ceará, irônico, disse que não havia sacado a sacada genial dos inteligentes fregueses e riu, queria ver aquele cardume de baleias sambando. Houve uma discussão se o coletivo de baleias era cardume. O professor de literatura disse que era baleal. Isso foi o mote para o músico da Orquestra Sinfônica compor o samba-enredo.E o bloco dos intelectuais saiu no carnaval cantando a marchinha “Moby Dick Celulite”, que era assim:Desprezando as sereiasIndo nas carnes da baleia O Ahab se acabouMoby Dick CeluliteAceito o seu convitePra sair no balealJá estou de arpão duroVou te deixar um furoPorque hoje é carnavalVem nessa onda, meu amorNão existe PequodDo lado de baixo do Equador.
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